Sujeira: deles, e para nós.

Perdoem-me os soteropolitanos, mas uma cidade suja é definitivamente uma cidade infeliz. Nada contra Salvador, claro: nossos irmãos baianos parecem viver alegres em meio às toneladas de lixo espalhadas pelos seus principais logradouros. Ou Olinda: há até quem diga que o lixo que rebola da Ladeira da Misericórdia abaixo é parte do charme do Carnaval (?!).
Mas aqui em Recife não dá.
O lixo na rua faz non-sense da reflexão urbanística que Lefebvre tece acerca das cidades, segundo a qual a rua seria muito mais que um lugar de passagem e circulação, mas sim um local do encontro de diferenças, encontro esse que realizaria o espírito próprio da vida nas cidades. Em meio ao lixo das ruas e calçadas, no entanto, nenhum encontro ocorre, e desviamos uns dos outros como evitamos as tulhas e os monturos. Numa cidade de lixo, os outros, e os espaços que com eles compatilhamos, são reduzidos a dispositivos funcionais (quer de uso, quer de passagem) para o trabalho e o consumo.
Nas cidades sujas os espaços públicos perdem seu apelo ao convívio, e a propensão das pessoas ao caos hobbesiano – homo lupus homini – é reforçada. Pedestres, motoristas, ciclistas e, principalmente, moradores de rua – essa terrível anomalia urbana – passam a ser percebidos como não-seres humanos, obstáculos ao nosso propósito de locomoção breve e eficiente.
Ora, um erro muito comum no discurso majoritário sobre o problema é aquele que deduz que rua limpa e agradável é um corolário da presença estatal. Quando se fala no assunto, a premissa da “publicidade da rua” é invocada pelo seu apelo emocional, olvidando-se que publicidade é um conceito político, e não um tabu urbanístico que não possa ser analisado em termos dos seus limites e características específicas. Isso, a meu ver, atrapalha a emergência de idéias que possam efetivamente ajudar a resolver o problema do descuido com os espaços da cidade.
Ora, o importante é assegurar uma cidade limpa e agradável, o que independe do ator que realize as tarefas do serviço.  Eu, por exemplo, acredito que o tratamento condominial da manutenção urbana –  com o respectivo desconto nos tributos municipais, ou mesmo a eventual remuneração aos condôminos encarregados do contrato – pode ser uma boa solução para o problema. Moradores, lojistas e outros ocupantes de uma determinada circunscrição territorial podem perfeitamente se encarregar da limpeza e do cuidado com esse lugar a partir de algumas pautas, estabelecidas em contrato com o poder público. Isso inclusive facilitaria a criação de laços entre diversos atores da comunidade, e o incremento no seu stock de capital social, um importante requisito das sociedades democráticas.
É apenas uma idéia. Mas, sabemos, os milionários contratos de limpeza urbana entre empreiterias e prefeituras envolvem recursos suficientes para financiar campanhas eleitorais…
E o dinheiro, nesses casos, nem sempre é distinto da sujeira.

http://www.mafiadolixo.com/2009/05/prefeitura-do-recife-aponta-para-o-atraso-da-contratacao-de-empresa-privada-para-a-coleta-do-lixo-da-cidade/

http://www.diariodepernambuco.com.br/2010/01/05/politica1_0.asp

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