Bezerra da Silva e Foucault contra nós…

Tive o desprazer recente de testemunhar (e de quase ser vitimado) por uma saída de estádio de um jogo entre Sport e Náutico. Descuido meu: a CBN havia falado para se evitar a região da Abdias de Carvalho, pois não haveria como garantir a integridade física de quem passasse por ali até 30 minutos depois do fim da partida.

Primeiro fiquei com raiva da minha imprudência, mas logo depois da pasmaceira ideológica que domina nosso país. Ora: assalto é assalto, bandido é bandido, e fim de papo. Não sou eu quem deveria me privar de sair às ruas, são os marginais, que se organizam em quadrilhas para assaltar os carros, que deveriam ter medo de circular na cidade.

Ora, sejamos sinceros: tolerância com a delinqüência juvenil é um vício de lesa cidadania. Não é bom para o ânimo da sociedade nem para o futuro desses mesmos jovens, que se formam sem limites nem referências para a vida em coletividade. A competência para educar as pessoas é privada, assim como é pública a responsabilidade de punir a falta de educação.

Fala-se (e eu conheço muito bem o discurso…): menores delinqüentes são fruto de famílias abandonadas, epifenômeno da lógica de exclusão, seres humanos cuja existência revelaria, como que numa trágica fratura de fêmur, a “culpa de todos”. O arrastão contra o cidadão mediano que volta do trabalho seria, por assim dizer, uma “inevitável” – e por que não dizer  “justa” – retribuição pelo desemprego estrutural e pelo cenário desolador das favelas, donde a maior parte dos assaltantes, estupradores e assassinos provém.

Para corroborar tal “retórica retributiva”, lê-se a opinião do psicólogo e policial civil Marcelo Teles, segundo o qual em 90% das ocorrências trata-se de jovens oriundos de famílias chefiadas apenas pela mãe, nas quais o pai está preso ou morto, e onde os adultos estudaram, no máximo, os dois primeiros ciclos do ensino fundamental. Ora, porque então indignar-se com a situação? “Eles” estão pior do que “nós”, e a violência praticada contra o contribuinte opresso em condomínios cada vez mais asfixiantes seria corolário, meio que por vasos comunicantes, dessa violência “sistêmica” e “estrutural” do capitalismo.

No entanto – e ainda bem – há lucidez em meio às trevas desse discurso populista, irresponsável e simplificador. Em texto recente, o cientista político José Maria Nóbrega lembra da abordagem das Broken Windows para analisar a complexidade – e gravidade – do fenômeno da insegurança pública do Recife.

De acordo com aquele professor, o Broken Windows explica a criminalidade urbana a partir da ausência de autoridade e de ordem nos espaços públicos, ausência essa que deixaria tais espaços propícios à prática de delitos. A imagem das janelas quebradas evocaria a degeneração dos espaços da cidade em arenas caóticas e de progressiva decadência: pichações, uso do passeio público para necessidades fisiológicas, bêbados e drogados na rua a molestar transeuntes, moradores e crianças de rua, invasões de prédios particulares e governamentais, assim como outras condutas caracterizadas pelo vácuo estatal, que induziriam uma tendência degenerativa do espaço urbano, com a conseqüente decomposição da ordem pública. O crime propriamente dito seria conseqüência “natural” desse processo.

Desordem – aqui descrita também em termos de tais “pequenas” incivilidades, tão toleradas no país do “jeitinho” e do “coitadismo de esquerda” – seria a véspera da criminalidade. Gente: a ilegalidade não é um caminho respeitável nem tolerável para ninguém: nem para o cidadão de classe média que estaciona em lugar proibido, nem para o flanelinha que se oferece para “guardar” o veículo, mediante “justo” pagamento. Similarmente, uma biografia de dificuldades não justificará a opção pelo crime. E um país incapaz de atribuir responsabilidades individuais a cidadãos e governantes é um país sem futuro.

Alguns textos necessariamente inconvenientes:

http://www.olavodecarvalho.org/convidados/0153.htm

http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/banco-dos-reus-elites-intelectuais-esquerda/

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