Archive Page 3

… a ressaca de Mauro Mota…

(Réquiem para Carlos Pena)

Mauro Mota – 1960

São agora vinte e nove

Os homens do Bar Savoy.

Vinte e nove que se contam.

Falta um. Para onde foi?

Vinte e nove homens tristes.

Dentro deles, como dói

a ausência do poeta Carlos

na mesa do Bar Savoy.

O chopp de Pena Filho…

Carlos Pena Filho – 1952

Na avenida Guararapes,
o Recife vai marchando.
O bairro de Santo Antonio,
tanto se foi transformando
que, agora, às cinco da tarde,
mais se assemelha a um festim,
nas mesas do Bar Savoy,
o refrão tem sido assim:
São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.
Ah, mas se a gente pudesse
fazer o que tem vontade:
espiar o banho de uma,
a outra amar pela metade
e daquela que é mais linda
quebrar a rija vaidade.
Mas como a gente não pode
fazer o que tem vontade,
o jeito é mudar a vida
num diabólico festim.
Por isso no Bar Savoy,
o refrão é sempre assim:
São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.

Um problema de escala

Coisas pequenas parecem grandes para quem é minúsculo, e até mesmo coisas grandes parecem pequenas para quem é maior. Tal obviedade geométrica me remete àquele que talvez seja o real problema da classe média: aspirações de rico, orçamento de pobre.

Com um pingo de crueldade, pode-se dizer:  vive sozinha a classe média, como uma concubina abandonada, envergonhada por não conseguir se sentir feliz – apesar da expansão do Programa Bolsa Família para mais alguns milhões de lares no último ano – e frustrada por perder dia a dia o mínimo de conforto que amealhou ao longo do tempo – apesar de a economia do país ter crescido acima da média mundial desde 2004.

Eu mesmo fiz os testes com as PNAD’s, entre 1998 e 2007: o grupo que recebe de 5 a 20 salários mínimos empobreceu ao longo do tempo, enquanto os ricos e os miseráveis melhoraram significativamente sua condição. Os pequenos estão felizes sendo menos pequenos, e os grandes felizes demais, sendo ainda maiores. Nós, de média estatura, e outrora portadores da opinião pública nacional, continuaremos sendo alvo de revolta dos mais pobres, e de indiferença dos mais ricos.

A mídia não ecoa nossos sentimentos. Nenhum partido representa nossas ambições. Nenhum compositor, nenhum novelista da Globo, nenhuma igreja. Por nós mesmo só as empresas que oferecem cartão de crédito, e o pessoal do telemarketing, que liga na hora do jantar.

Nossa vida hoje está cerrada em apartamentos cada vez menores, em centros urbanos que crescem cada vez mais, confusos e opressores, cercados por lixo, marginais e engarrafamentos por todos os lados…

Que triste fim para a parcela da sociedade que almejava democracia e justiça social!

Sujeira: deles, e para nós.

Perdoem-me os soteropolitanos, mas uma cidade suja é definitivamente uma cidade infeliz. Nada contra Salvador, claro: nossos irmãos baianos parecem viver alegres em meio às toneladas de lixo espalhadas pelos seus principais logradouros. Ou Olinda: há até quem diga que o lixo que rebola da Ladeira da Misericórdia abaixo é parte do charme do Carnaval (?!).
Mas aqui em Recife não dá.
O lixo na rua faz non-sense da reflexão urbanística que Lefebvre tece acerca das cidades, segundo a qual a rua seria muito mais que um lugar de passagem e circulação, mas sim um local do encontro de diferenças, encontro esse que realizaria o espírito próprio da vida nas cidades. Em meio ao lixo das ruas e calçadas, no entanto, nenhum encontro ocorre, e desviamos uns dos outros como evitamos as tulhas e os monturos. Numa cidade de lixo, os outros, e os espaços que com eles compatilhamos, são reduzidos a dispositivos funcionais (quer de uso, quer de passagem) para o trabalho e o consumo.
Nas cidades sujas os espaços públicos perdem seu apelo ao convívio, e a propensão das pessoas ao caos hobbesiano – homo lupus homini – é reforçada. Pedestres, motoristas, ciclistas e, principalmente, moradores de rua – essa terrível anomalia urbana – passam a ser percebidos como não-seres humanos, obstáculos ao nosso propósito de locomoção breve e eficiente.
Ora, um erro muito comum no discurso majoritário sobre o problema é aquele que deduz que rua limpa e agradável é um corolário da presença estatal. Quando se fala no assunto, a premissa da “publicidade da rua” é invocada pelo seu apelo emocional, olvidando-se que publicidade é um conceito político, e não um tabu urbanístico que não possa ser analisado em termos dos seus limites e características específicas. Isso, a meu ver, atrapalha a emergência de idéias que possam efetivamente ajudar a resolver o problema do descuido com os espaços da cidade.
Ora, o importante é assegurar uma cidade limpa e agradável, o que independe do ator que realize as tarefas do serviço.  Eu, por exemplo, acredito que o tratamento condominial da manutenção urbana –  com o respectivo desconto nos tributos municipais, ou mesmo a eventual remuneração aos condôminos encarregados do contrato – pode ser uma boa solução para o problema. Moradores, lojistas e outros ocupantes de uma determinada circunscrição territorial podem perfeitamente se encarregar da limpeza e do cuidado com esse lugar a partir de algumas pautas, estabelecidas em contrato com o poder público. Isso inclusive facilitaria a criação de laços entre diversos atores da comunidade, e o incremento no seu stock de capital social, um importante requisito das sociedades democráticas.
É apenas uma idéia. Mas, sabemos, os milionários contratos de limpeza urbana entre empreiterias e prefeituras envolvem recursos suficientes para financiar campanhas eleitorais…
E o dinheiro, nesses casos, nem sempre é distinto da sujeira.

http://www.mafiadolixo.com/2009/05/prefeitura-do-recife-aponta-para-o-atraso-da-contratacao-de-empresa-privada-para-a-coleta-do-lixo-da-cidade/

http://www.diariodepernambuco.com.br/2010/01/05/politica1_0.asp

Rosas, Margaridas, Camélias, e outras flores…

O tema da prostituição sempre foi instigador para mim:  primeiro Lúcia, de José de Alencar, mais tarde Margarida, de Alexandre Dumas, e depois Sonja, de Dostoievski… nelas, pureza e miséria se misturavam, e isso para mim, de tão humano e real, era simplesmente apaixonante.

Estive na zona pela primeira vez com a idade de dezenove anos, para assistir ao show da “Madona” local numa boate chamada Zona Franca, no Recife Antigo. Após alguma negociação, minha namorada, com então vinte anos, decidiu me acompanhar.

A estrela da noite já tinha ultrapassado a marca balzaqueana dos trinta anos, rugas nos olhos, corpão definido em academia, e um jeito triste embalado pelo Like a Virgin de sua performance. 

Tinha fama de não falar com os frequentadores da boate caso não fosse insistentemente convidada, e apenas o faria se tivesse gostado da figura que a convidasse. Para mim, acompanhado e completamete inexperiente em matéria de putaria, era o show ideal.

Madona fez seu número, despiu-se e deitou por sobre algumas mesas, onde uns homens gordos riam escondidos atrás de garrafas de Buchanan’s.  Sua vulva imberbe contrastava com a maquiagem pesada do rosto, numa mistura de fascínio e terror.

O texto de Wainer lembrou-me de Madona, e das muitas garotas de programa já encontrei nas searas vida. A elas, e a todas as mulheres que conhecem o prazer e o sacrifício, meus cumprimentos! 

  

Puta é o caralho, por João Wainer

http://www.joaowainer.com.br/publish/puta/Site_2/puta.html

O nome verdadeiro é Maria Aparecida da Silva, mas na Central do Brasil é conhecida por Márcia. Aos 42, trabalha como faxineira de manhã em uma firma e prostituta a tarde, em frente a estação de trem mais movimentada do Rio de Janeiro.

Era gostosa, mas depois de tantos anos trabalhando como puta já não é mais. Assim mesmo ainda tem seus clientes fiéis, que não dispensam uma foda “completa” por R$35,00 depois de um dia de trabalho pesado. Como não é mais jovem, quem chegar com R$ 15,00 leva. São pedreiros, pintores, taxistas, eletricistas, porteiros. Usam o corpo de Márcia pra aliviar as tensões do cotidiano embaçado que gente pobre tem.

Cida mora em Itaguaí, zona norte do Rio, a 70 km do seu local de trabalho. De busão são quase duas horas.

A casa é simples, quarto e sala sem acabamento, tijolo baiano a vista, chão de terra e cimento, móveis improvisados, cortinas ao invés de portas e um retrato de Jesus na parede.

Um pedaço de bombril na antena ajuda a diminuir o chiado do capitulo de Malhação que as crianças assistem na televisão pequena sobre o armário. Como toda casa pobre, falta tudo mas sobra dignidade. Café, bolacha de maizena e Dolly sobre a mesa pra receber os convidados.

Mora ali com seus filhos, André, 18, Camila, 22, seus netos Wesley,5, Ketheleen,3, a mãe alcoólatra Idalina e a filha adotiva deficiente mental Verinha.

Cida sustenta a casa sozinha. Não fosse o dinheiro dos programas, provavelmente o filho estaria no crime, a filha na prostituição, a mãe alcoólatra pela rua gritando absurdos abraçada a uma garrafa de pinga e só Deus sabe onde estariam os netos e a filha adotiva deficiente mental.

Puta é o caralho, Cida é uma guerreira. Foi para o sacrifício e manteve na unha vermelha a família unida. Foi capaz de perder sua dignidade pra preservar a dos seus. Quem seria capaz disso? Você seria?

Ao conhecer essa mulher, tive a certeza absoluta de que as mulheres são superiores aos homens.

Pensei nos defensores da moral e bons costumes dos programas vespertinos de TV, nos hipócritas que bradam absurdos nos palanques, no horário eleitoral gratuito, no Datena, no Faustão, nas rádios populares. Sinto o gosto de vômito na garganta. Quem é mais puta? Quem é mais desonesto? Quem é o verdadeiro filho da puta?

Com olhar forte e digno, Cida tem a cabeça erguida e a hombridade de quem sabe que cumpre o seu dever com rara honestidade. Quem hoje em dia pode dormir tranqüilo assim?

Textos sobre o assunto: 

Mariposas que trabalham – Belo Horizonte

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7356 

A bela adormecida – Goiânia – UFG

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822007000100010&tlng=en&lng=en&nrm=iso 

Do poder às margens… – Recife – UFPE

http://www.bdtd.ufpe.br/tedeSimplificado//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=3059 

Entrevista com Gabriela Leite (Daspu)

http://www.brasilwiki.com.br/noticia.php?id_noticia=9853 

Notas do Criptotolitarismo, ou o Conselho da Chefatura de Polícia

Em 1991, eu e Chico Monteiro decidimos escrever sobre os fundamentos da democracia no ocidente. É que nossa criteriosa professora de português, Xênia Luna, havia elogiado redações que escrevêramos em sala de aula, e eu me sentia, sinceramente, preparado para receber um Pulitzer.
Chamei Chico e sugeri: “estamos prontos, vamos denunciar a falta de democracia na Escola! O revolucionário não espera condições, mas as cria! Como é que o diretor está no poder faz não sei quanto tempo, e nenhuma eleição foi jamais realizada? Isso, óbvio, é resultado de sua relação com Marco Maciel, e os outros torturadores de ditadura militar. Mas o tempo deles já passou, por isso, pau neles! Vamos expor as pústulas do sistema!”
Chico, que tinha mais juízo que eu, hesitou um pouco, e melhorou o texto. Ficou mais bem escrito que muitos dos editorais de alguns jornais caros que a esquerda mantinha em circulação.
Havia um jornalzinho de circulação interna na ETFPE – esqueci o seu nome – que tinha informações da direção e um discreto espaço para os alunos publicarem seus poeminhas de amor, tecerem seus elogios às grandezas do Brasil – é verdade, ainda havia isso nesse tempo – e, claro, chaleirarem a direção dizendo como era magnânino ter nos reservado um espacinho para livre expressão – isso nunca deixou de haver. Ao seu “corpo editorial”, uma funcionária do gabinete que já esperava a aposentadoria, apresentaríamos nossa bombástica denúncia.
Escrevemos uma vez, lemos, passamos a limpo, e fomos lá entregar, já no fim do expediente. Ora, o manifesto do PSTU, que foi escrito meses depois, era mais comedido nas palavras. Dizíamos alguma coisa como “um feto foi encontrado na lixeira do banheiro de um dos prédios do campus. Era nossa democracia, abortada antes de ver a luz, e ele, o diretor, é o grande responsável pela morte da esperança. (…) Renuncie, diretor, e dê uma chance à paz”.
Não precisa dizer que não publicaram nosso texto. No dia seguinte, fomos chamados à direção levar um acocho. Cabeça baixa e gagueira lembravam que por trás da altivez dos jovens articulistas havia apenas dois meninos de 15 anos, que precisavam do ensino da escola para se habilitar ao mercado de trabalho, e não podiam ser expulsos. O diretor, cheio de perfume, estava lá; um assessor se encarregou de nos passar o carão, enquanto o titular da cadeira só balançava a cabeça, negativamente.
Mas sabem, não foi a represália, nem a ameaça de expulsão, que me fez desistir da breve idéia de prestar vestibular para Jornalismo. Foi o fato de não ter tido a chance de ser lido, de ser avaliado pelo público.
Diferentemente da literatura ou da filosofia, não há bom jornalismo sem leitores. A repressão seguia em frente enquanto nós fomos silenciados, e ninguém ficou nem sabendo do caso.
Crescemos, Chico foi mexer com computadores, e vive bem em Natal. Eu sou professor e funcionário público.

Em tempo:

1. A expressão criptotalitarismo é desenvolvida com fluência nos textos de Sérgio de Biasi e Gustavo Biscaia de Lacerda
http://www.oindividuo.org/2009/12/16/cripto-totalitarismo/
http://filosofiasocialepositivismo.blogspot.com/2009/09/aforismas-sociologicos-iii.html

2. O conselho da Chefatura de Polícia é uma passagem do romance “A emparedada da Rua Nova”, de J. M. Carneiro Vilela.
http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.phtml?cod=22024&cat=Artigos&vinda=S

3. Vergonhoso programa do governo Lula que quer estabelecer limites à liberdade de imprensa, em nome da defesa dos direitos humanos. Isso empurraria o jornalismo independente do país para a trincheira dos blogs, como ocorre em Cuba e na Venezuela. Jornalista bom, afinal, é jornalista calado, censurado, emparedado? Triste época para a América Latina.

Jalapeños ao Capibaribe

Havíamos terminado e entregue um trabalho do professor John Mirowski, e fazia frio no inverno texano de 2003. Eu, morto de cansado que estava, decidi fazer o jantar para espairecer. Fui a um food mart e comprei uns steaks, baguetes, macarrão noodles, tomates e um tal de jalapeño pepper, que parecia um pimentãozinho verde inofensivo, bem mirradinho. Separei parte da carne dos ossos, temperei com alho, salsão e molho sriracha, e fiz um caldinho.
Depois de picar a carne cozida do caldinho (uns 400g), os tomates e os jalapeños (três ou quatro de cada), passei-os rapidamente na manteiga, a fim de dourar a carne e deixar os vegetais semi-crus. Cozinhei o macarrão por não mais de quatro minutos, e estava pronto o jantar.
Já tinha chamado Ernesto e Bráulio desde a Universidade, e confirmei batendo na porta ao lado (Ernesto morava next door, e se encarregou de chamar Bráulio, no andar de cima). Depois de havermos tomado o caldinho com parte da cerveja que um deles trouxe, e falado sobre o Brasil, as mulheres, e os republicanos do Texas – não necessariamente nessa ordem – fomos jantar.
Ninguém conseguiu comer. Confundi o jalapeño com um green peper ordinário, o que é uma desídia com a rica culinária tex-mex, e uma agressão contra o paladar brasileiro médio; chamei o acidente de Jalapeños ao Capibaribe, para caçoar de minha inépcia.
Quando já em Recife, anos depois, refiz a receita com paleta bovina, pimentão verde e molho tabasco. Substituí a cerveja Lone Star por uma garrafa de Miolo Merlot Reservado. Ficou, sem falsa modéstia, muito bom.

Outra do Prata: Meio intelectuais, meio de esquerda.

Essa é paradigmática. Tem a cara da classe média de Recife, cidade que se orgulha de desbancar Porto Alegre nas suas pretensões “a la sinistra”. ‘Guenta aí:

Meio intelectual, meio de esquerda
http://meiointelectual.blogspot.com/

Eu sou meio intelectual, meio de esquerda, por isso freqüento bares meio ruins.
Não sei se você sabe, mas nós, meio intelectuais, meio de esquerda, nos julgamos a vanguarda do proletariado, há mais de 150 anos. (Deve ter alguma coisa de errado com uma vanguarda de mais de 150 anos, mas tudo bem).
No bar ruim que ando freqüentando nas últimas semanas o proletariado é o Betão, garçom, que cumprimento com um tapinha nas costas acreditando resolver aí 500 anos de história.
Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos ficar “amigos” do garçom, com quem falamos sobre futebol enquanto nossos amigos não chegam para falarmos de literatura.
“Ô Betão, traz mais uma pra gente”, eu digo, com os cotovelos apoiados na mesa bamba de lata, e me sinto parte do Brasil.
Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos fazer parte do Brasil, por isso vamos a bares ruins,que tem mais a cara do Brasil que os bares bons, onde se serve petit gateau e não tem frango à passarinho ou carne de sol com macaxeira que são os pratos tradicionais de nossa cozinha.
Se bem que nós, meio intelectuais, quando convidamos uma moça para sair pela primeira vez, atacamos mais de petit gateau do que de frango à passarinho, porque a gente gosta do Brasil e tal, mas na hora do vamos ver uma europazinha bem que ajuda.
A gente gosta do Brasil, mas muito bem diagramado. Não é qualquer Brasil.
Assim como não é qualquer bar ruim.
Tem que ser um bar ruim autêntico, um boteco, com mesa de lata, copo americano e, se tiver porção de carne de sol, a gente bate uma punheta ali mesmo.
Quando um de nós, meio intelectuais, meio de esquerda, descobre um novo bar ruim que nenhum outro meio intelectual, meio de esquerda freqüenta, não nos contemos: ligamos pra turma inteira de meio intelectuais, meio de esquerda e decretamos que aquele lá é o nosso novo bar ruim.
Porque a gente acha que o bar ruim é autêntico e o bar bom não é, como eu já disse.
O problema é que aos poucos o bar ruim vai se tornando cult, vai sendo freqüentado por vários meio intelectuais, meio de esquerda e universitárias mais ou menos gostosas.
Até que uma hora sai na Vejinha como ponto freqüentado por artistas, cineastas e universitários e nesse ponto a gente já se sente incomodado e quando chega no bar ruim e tá cheio de gente que não é nem meio intelectual, nem meio de esquerda e foi lá para ver se tem mesmo artistas, cineastas e universitários, a gente diz: eu gostava disso aqui antes, quando só vinha a minha turma de meio intelectuais, meio de esquerda, as universitárias mais ou menos gostosas e uns velhos bêbados que jogavam dominó.
Porque nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos dizer que freqüentávamos o bar antes de ele ficar famoso, íamos a tal praia antes de ela encher de gente, ouvíamos a banda antes de tocar na MTV.
Nós gostamos dos pobres que estavam na praia antes, uns pobres que sabem subir em coqueiro e usam sandália de couro, isso a gente acha lindo, mas a gente detesta os pobres que chegam depois, de Chevete e chinelo Rider.
Esse pobre não, a gente gosta do pobre autêntico, do Brasil autêntico.
E a gente abomina a Vejinha, abomina mesmo, acima de tudo.
Os donos dos bares ruins que a gente freqüenta se dividem em dois tipos: os que entendem a gente e os que não entendem.
Os que entendem percebem qual é a nossa, mantém o bar autenticamente ruim, chamam uns primos do cunhado para tocar samba de roda toda sexta-feira, introduzem bolinho de bacalhau no cardápio e aumentam em 50% o preço de tudo.
Eles sacam que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, somos meio bem de vida e nos dispomos a pagar caro por aquilo que tem cara de barato.
Os donos que não entendem qual é a nossa, diante da invasão, trocam as mesas de lata por umas de fórmica imitando mármore, azulejam a parede e põem um som estéreo tocando reggae.
Aí eles se fodem, porque a gente odeia isso, a gente gosta, como já disse algumas vezes, é daquela coisa autêntica, tão brasileira, tão raiz.
Não pense que é fácil ser meio intelectual, meio de esquerda, no Brasil!
Ainda mais porque a cada dia está mais difícil encontrar bares ruins do jeito que a gente gosta, os pobres estão todos de chinelo Rider e a Vejinha sempre alerta, pronta para encher nossos bares ruins de gente jovem e bonita e a difundir o petit gateau pelos quatro cantos do globo.
Para desespero dos meio intelectuais, meio de esquerda, como eu que, por questões ideológicas, preferem frango a passarinho e carne de sol com macaxeira (que é a mesma coisa que mandioca mas é como se diz lá no nordeste e nós, meio intelectuais, meio de esquerda, achamos que o nordeste é muito mais autêntico que o sudeste e preferimos esse termo, macaxeira, que é mais assim Câmara Cascudo, saca?).
– Ô Betão, vê um cachaça aqui pra mim. De Salinas quais que tem?

Uma do Prata: Direita, esquerda – volver

Acho essa crônica muito melhor que o debate Schumpeter VS. Bobbio. Lá vai:

Segunda-feira, 25/2/2008
Direita, Esquerda ― Volver!
Antonio Prata
http://www.digestivocultural.com/ensaios/ensaio.asp?codigo=242

Depois que o muro de Berlim foi partido em cubinhos e vendido como souvenir, Che Guevara passou a usar o chapéu do Mickey Mouse e a Colgate uniu o mundo num único e branco sorriso, muita gente pensou que esquerda e direita tinham ficado para trás. Dizia-se que, dali em diante, os termos só seriam usados para indicar o caminho no trânsito e diferenciar os laterais no futebol. Afinal de contas, estávamos no fim da História e, como sabíamos desde criancinhas, todos viveriam felizes para sempre.

Mas o mundo gira, gira e ― eis aí um grande problema de rodar em torno do próprio eixo ― voltamos para o mesmo lugar. Se a história se repete como farsa ou como história mesmo, não faço a menor idéia, mas ouso dizer, parafraseando Nelson Rodrigues (que já foi de direita, mas o tempo e Ruy Castro liberaram para a esquerda), que hoje em dia não se chupa um Chicabom sem optar-se por um dos blocos.

Ah, como fomos tolos! Acreditar que aquela dicotomia ontológica resumia-se à discussão sobre quanto o Estado deveria intervir no mercado (ou quanto o Mercado deveria ser regulado pelo estado, o que vem a ser a mesma coisa, de maneira completamente diferente) é mais ou menos como pensar que a diferença entre homens e mulheres restringe-se ao cromossomo Y. Ou ao comprimento do cabelo.

Estado e Mercado são apenas a ponta de um iceberg, ou melhor, dois icebergs sociais, culturais, gastronômicos, gramaticais, musicais, lúdicos, léxicos, religiosos, higiênicos, esportivos, patafísicos, agronômicos, sexuais, penais, eletro-eletrônicos, existenciais, metafísicos, dietéticos, lógicos, astrológicos, pundonôricos, astronômicos, cosmogônicos ― e paremos por aqui, porque a lista poderia levar o dia todo.

Justamente agora, quando esquerda e direita, pelo menos em suas ações, pareciam não divergir mais sobre as relações entre Estado e Mercado (ponhamos assim, os dois com maiúsculas, para não nos acusarem de nenhuma parcialidade), a discussão ressurge lá do mar profundo, com toda a força, como o tubarão de Spielberg.

Para que o pasmo leitor que, como eu, dá um boi para não entrar numa discussão, mas uma boiada para não sair, não termine seus dias sem uma única rês, resolvi enumerar algumas diferenças entre essas, digamos, maneiras de estar no mundo. Dessa forma saberemos, ao comentar numa mesa de bar, na casa da sogra ou na padaria da esquina, “dizem que o filme é chato” ou “como canta bem esse canário belga”, se estamos ou não pisando inadvertidamente numa dessas minas ideológicas, mandando os ânimos pelos ares e causando inestancáveis verborragias.

A lista é curta e provisória. Outras notas vão entrar, mas a base, por ora, é essa aí. Se a publico agora é por querer evitar, mesmo que parcialmente, que mais horas sejam ceifadas, no auge de suas juventudes, nas trincheiras da mútua incompreensão. Vamos lá.
A esquerda acha que o homem é bom, mas vai mal ― e tende a piorar. A direita acredita que o homem é mau, mas vai bem ― e tende a melhorar. A esquerda acusa a direita de fazer as coisas sem refletir. A direita acusa a esquerda de discutir, discutir, marcar para discutir mais amanhã, ou discutir se vai discutir mais amanhã e não fazer nada. (Piada de direita: camelo é um cavalo criado por um comitê).

Temos trânsito na cidade. O que faz a direita? Chama engenheiros e constrói mais pontes. Resolve agora? Sim, diz a direita. Mas só piora o problema, depois, diz a esquerda. A direita não está preocupada com o depois: depois é de esquerda, agora é de direita.
Temos trânsito na cidade. O que faz a esquerda? Chama urbanistas para repensar a relação do transporte com a cidade. Quer dizer então que a Marginal vai continuar parada ano que vem?, cutuca a direita. Sim, diz a esquerda, mas outra cidade é possível mais pra frente. A direita ri. “Outra” é de esquerda. “Isso” é de direita.
Direita e esquerda são uma maneira de encarar a vida e, portanto, a morte. Diante do envelhecimento, os dois lados se dividem exatamente como no urbanismo. Faça plásticas (pontes), diz a direita. Faça análise, (discuta o problema de fundo) diz a esquerda. (“Filosofar é aprender a morrer”, Cícero.) Você tem que se sentir bem com o corpo que tem, diz a esquerda. Sim, é exatamente por isso que eu faço plásticas, rebate a direita. Neurótica! ― grita a esquerda. Ressentida! ― grita a direita.
A direita vai à academia, porque é pragmática e quer a bunda dura. A esquerda vai à ioga, porque o processo é tão ou mais importante que o resultado. (Processo é de esquerda, resultado, de direita).
Um estudo de direita talvez prove que as pessoas de direita, preocupadas com a bunda, fazem mais exercícios físicos do que as de esquerda e, por isso, acabam sendo mais saudáveis, o que é quase como uma aplicação esportiva do muito citado mote de Mendeville, de que os vícios privados geram benefícios públicos ― se encararmos vício privado como o enrijecimento da bunda (bunda é de direita) e benefício público como a melhora de todo o sistema cardio-vascular. (Sistema cardio-vascular é de esquerda.)
Um estudo de esquerda talvez prove que o povo de esquerda, mais preocupado com o processo do que com os resultados, acaba com a bunda mais dura, pois o processo holístico da ioga (processo, holístico e ioga são de extrema esquerda) acaba beneficiando os glúteos mais do que a musculação. (Ioga já é de direita, diz alguém que lê o texto sobre meus ombros, provando que o provérbio correto é “pau que nasce torno, sempre se endireita”.)
Dieta da proteína: direita. Dieta por pontos: esquerda. Operação de estômago: fascismo. Macrobiótica: stalinismo. Vegetarianismo: loucura. (Foucault escreveria alguma coisa bem interessante sobre os Vigilantes do Peso.)
Evidente que, dependendo da época, as coisas mudam de lugar. Maio de 68: professores universitários eram de direita e mídia de esquerda. (“O mundo só será um lugar justo quando o último sociólogo for enforcado com as tripas do último padre”, escreveram num muro de Paris.) Hoje a universidade é de esquerda e a mídia, de direita.
As coisas também mudam, dependendo da perspectiva: ao lado de um suco de laranja, Guaraná é de direita. Ao lado de uma Coca-Cola, Guaraná é de esquerda. Da mesma forma, ao lado de um suco de graviola, pitanga ou umbu (extrema-esquerda), o de laranja vira um generalzinho. (Anauê juice fruit: 100% integralista.)
Leão, urso, lobo: direita. Pingüim, grilo, avestruz: esquerda. Formiga: fascismo. Abelha: stalinismo. Cachorro: social democrata. Gato: anarquista. Rosa: direita. Maria sem-vergonha: esquerda. Grama: nacional socialismo. Piscina: direita. Cachoeira: esquerda. (Quanto ao mar, tenho minhas dúvidas, embora seja claro que o Atlântico e o Pacífico estejam, politicamente, dos lados opostos aos que se encontram no mapa.) Lápis: esquerda. Caneta: direita. Axilas, cotovelo, calcanhar: esquerda. Bíceps, abdômen, panturrilha: direita. Nariz: esquerda. Olhos: direita. (Olfato é sensação, animal, memória. Visão é objetividade, praticidade, razão.)

Liquidificador é de direita. (Maquiavel: dividir para dominar.) Batedeira é de esquerda. (Gilberto Freyre: o apogeu da mistura, do contato, quase que a massagem dos ingredientes.) Mixer é um caudilho de direita. Espremedor de alho é um caudilho de esquerda. Colher de pau, esquerda. Teflon, direita. Mostarda é de esquerda, ketchup é de direita ― e pela maionese nenhum dos lados quer se responsabilizar. Mal passado é de esquerda, bem passado é de direita. Contra-filé é de esquerda, filé mignon é de direita. Peito é de direita, coxa é de esquerda. Arroz é de direita, feijão é de esquerda. Tupperware, extrema direita. Cumbuca, extrema esquerda. Congelar é de direita, salgar é de esquerda. No churrasco, sal grosso é de esquerda, sal moura é de direita e jogar cerveja na picanha é crime inafiançável.
Graal é de direita, Fazendinha é de esquerda. Cheetos é de direita, Baconzeetos é de esquerda e Doritos é tucano. Ploc e Ping-Pong são de esquerda, Bubaloo é de direita.
No sexo: broxada é de esquerda. Ejaculação precoce é de direita. Cunilingus: esquerda. Fellatio: direita. A mulher de quatro: direita. Mulher por cima: esquerda. Homem é de direita, mulher é de esquerda (mas talvez essa seja a visão de uma mulher ― de esquerda).
Vogais são de esquerda, consoantes, de direita. Se A, E e O estiverem tomando uma cerveja e X, K e Y chegarem no bar, pode até sair briga. Apóstrofe ésse anda sempre com Friedman, Fukuyama e Freakonomics embaixo do braço. (A trema e a crase acham todo esse debate uma pobreza e são a favor do restabelecimento da monarquia).
“Eu gostava mais no começo” é de esquerda. “Não vejo a hora de sair o próximo” é de direita.
Dia é de direita, noite é de esquerda. Sol é de direita, lua é de esquerda. Planície é de direita, montanha é de esquerda. Terra é de direita, água é de esquerda. Círculo é de esquerda, quadrado é de direita. “É genético” é de direita. “É comportamental” é de esquerda. Aproveita é de esquerda. Joga fora e compra outro, de direita. Onda é de direita, partícula é de esquerda. Molécula é de esquerda, átomo é de direita. Elétron é de esquerda, próton é de direita e a assessoria do nêutron informou que ele prefere ausentar-se da discussão.
To be continued (para os de direita)…
Under construction (para os de esquerda)…

Cabelos na cara vs. Cabelos no peito

Conforme destaca o Blog de Jamildo, Veja registrou que a bilheteria de “Lula, o filho….” está sendo batida pela bilheteria de “Se eu fosse você 2”. Como Glória Pires trabalha nos dois filmes, seria plausível supor que a diferença se deva ao ator que com ela contracena. De um lado, o personagem de Lula é vivido com barba por Rui Ricardo Dias; do outro, há Toni Ramos, que dispensa apresentações…

http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/noticias/2010/01/08/lula_o_filme_nao_engrenou_61288.php


Categorias